quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Crítica ao livro "Um conto da Bahia", de Douglas Fersan




“Os pássaros revoaram sobre a imensidão azul, tornando-se apenas vultos ao se colocar contra a luz do sol. O farfalhar das asas no vôo rasante produziu uma brisa agradável, contrastando com o calor escaldante daquele janeiro de 1905. José Bento puxou o pai pela camisa e perguntou quase chorando:
_Pai, estamos chegando?
Seu João Bento respirou fundo, buscando a paciência que o cansaço e o sofrimento quase tinham esgotado e respondeu sem demonstrar muita emoção:
_Sim, falta pouco...
_Estou com fome... e sede – insistiu o garoto (...)”


Assim começa “Um conto da Bahia”, a saga de José Bento, um nordestino inconformado com a própria condição e a de seu povo. Não aceitando a pobreza e a injustiça social – tão comum naquele tempo e lugar – José Bento decide partir em busca de aventuras, seguindo um grupo de bandoleiros que percorria os sertões. Na verdade, o que ele não sabia, é que partia em busca do próprio destino, em busca do entendimento da existência e do crescimento espiritual.
“Um conto da Bahia” não é apenas um romance. É o retrato de uma sociedade, de um povo, que aos poucos vai construindo sua identidade a partir da mistura das crenças e da sabedoria popular que vive adormecida no inconsciente coletivo.
É possível encontrar, ao longo da narrativa, referências às diversas raízes que formaram a religiosidade brasileira: a onipresença católica, o conhecimento indígena arraigado no inconsciente popular, o africanismo tão marcante (a contragosto das classes dominantes) na formação brasileira e a sabedoria quase ingênua dos curandeiros (ou benzedeiros) que resistem até os dias atuais.
Numa linguagem suave e envolvente, esses elementos vão surgindo e mostrando que convivem numa harmonia quase silenciosa, mas que sempre voltam à tona, pois já estão incorporados à identidade do povo brasileiro.
Douglas Fersan – que é sociólogo e historiador - escreve como quem conta uma história – e nesse caso, não é apenas uma história para entreter, é a própria história do Brasil, de seu povo e de sua crença. Com mestria, o sociólogo, o historiador e o contador de histórias dão as mãos para nos brindar com essa magnífica obra, que não fala de Espiritismo, de Umbanda, de Catolicismo ou de qualquer outra religião. Fala de cada um de nós, pois muitos serão aqueles que conseguirão ver um pouco de si no romântico, ingênuo, sábio e rebelde José Bento, um homem contraditório, mas cheio de esperança, como cada um dos brasileiros que luta diariamente pela sua sobrevivência e crescimento espiritual.

Confira essa obra no link: http://clubedeautores.com.br/book/4212--Um_conto_da_Bahia

Jorge Fagundes
Resenha literária do Jornal Caminho do Sol

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Uma lenda de Omolu - Reginaldo Prandi




Quando Omolu era um menino de uns doze anos, saiu de casa e foi para o mundo para fazer a vida. De cidade em cidade, de vila em vila, ele ia oferecendo seus serviços, procurando emprego. Mas Omolu não conseguia nada. Ninguém lhe dava o que fazer, ninguém o empregava, e ele teve que pedir esmola. Mas ao menino ninguém dava nada, nem do que comer, nem do que beber. Tinha um cachorro que o acompanhava e só. Omolu e seu cachorro retiraram-se no mato e foram viver com as cobras. Omolu comia o que a mata dava: frutas, folhas e raízes. Mas os espinhos da floresta feriam o menino. As picadas de mosquitos cobriam-lhe o corpo. Omolu ficou coberto de chagas. Só o cachorro confortava Omolu, lambendo-lhe as feridas. Um dia, quando dormia, Omolu escutou uma voz:
_Estás pronto. Levanta e vai cuidar do povo.
Omolu viu que todas as feridas estavam cicatrizadas. Não tinha dores nem febre. Omolu juntou as cabacinhas, os atos, onde guardava água e remédios que aprendera a usar com a floresta, agradeceu a Olorum e partiu.
Naquele tempo uma peste infestava a Terra. Por todo lado estava morrendo gente, todas as aldeias enterravam seus mortos. Os pais de Omolu foram ao babalaô e ele disse que Omolu estava vivo e que ele traria a cura para a peste. Todo lugar aonde chegava, a fama precedia Omolu. Todos esperavam-no com festa, pois ele curava. Os que antes lhe negaram até mesmo água de beber agora imploravam por sua cura. Ele curava a todos, afastava a peste. Então dizia que se protegessem, levando na mão uma folha de dracena, o peregum, e pintando a cabeça com efum, ossum e uági, os pós branco, vermelho e azul usados nos rituais e encantamentos. Curava os doentes e com o xaxará varria a peste para fora da casa, para que a praga não pegasse outras pessoas da família. Limpava as casas e aldeias com a mágica vassoura de fibras de coqueiro, seu instrumento de cura, seu símbolo, seu cetro, o xaxará.
Quando chegou em casa, Omolu curou os pais e todos estavam felizes. Todos cantavam e louvavam o curandeiro e todos o chamaram de Obaluaê, todos davam vivas ao Senhor da Terra, Obaluaê.

Créditos: Reginaldo Prandi, em “Mitologia dos Orixás”

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Uma lenda de Exu

Exu ganha o poder sobre as encruzilhadas


Exu (o orixá, não o catiço), diferentemente dos outros orixás, era pobre, desprovido de bens, de "pontos de força", como os rios, o mar, as montanhas e nem mesmo uma missão específica ele possuía. Isso o fazia andar para lá e para cá, tal qual os andarilhos que conhecemos hoje em dia. Mas eis que um dia Exu resolveu visitar Oxalá e ao vê-lo ali, entretido, criando os homens e as mulheres e ficou fascinado com esse trabalho, passando a visitá-lo com uma freqüência maior que os outros orixás, que apareciam, ficavam umas poucas horas e iam embora. Ao contrário dos outros, Exu ficou na casa de Oxalá por 16 anos, prestando muita atenção e aprendendo como Oxalá fazia o seu trabalho. Ele não perguntava nem opinava, apenas observava.
Não querendo perder tempo em seu importante trabalho, Oxalá pediu a Exu que ficasse na encruzilhada por onde passavam aqueles que vinham visitá-lo e que só deixasse passar quem levasse uma oferenda a Ele (Oxalá), que trabalhava cada vez mais e não queria entreter-se com visitas. E assim agiu Exu, coletando as oferendas que os outros orixás deixavam para Oxalá, entregando-lhe posteriormente.
Exu fazia tão bem o seu trabalho que Oxalá decidiu recompensá-lo da seguinte forma: quem viesse até Oxalá, teria que entregar algo a Exu também. E quem estivesse voltando da casa de Oxalá, deveria agir da mesma forma.
Como bom guardião, Exu defendia a passagem, espantava os indesajáveis e assim tornou-se forte, rico e poderoso, ganhando o domínio sobre as encruzilhadas, que tornaram-se o seu "ponto de força". Hoje nada se faz sem antes agradar a Exu.

domingo, 16 de agosto de 2009

Fraco ou forte? - por Danilo Lopes Guedes




Muitos de nós, umbandistas, já ouvimos esse termo: “O terreiro é fraco”, mas como podemos categorizar os terreiros: forte e fraco?
Qual será o parâmetro que utilizamos para essa avaliação? Seria a não realização de sonhos ou desejos?
Antes de responder ao questionamento gostaria de seu acompanhamento nesta linha de raciocínio.
Por que vamos ao terreiro? Muitas podem ser as respostas, mas vamos pensar de forma simples, vamos ao terreiro pela religião, ou seja, religar a Deus.
Este é o mínimo, mas para muito a ida até o terreiro é para: amarrar, destruir, matar, separar, perturbar alguém, etc. Bom, nesse momento o sentimento mínimo já se perdeu pelos caminhos.
Infelizmente, algumas pessoas quando chegam ao terreiro continuam com suas idéias negativas e não param nem um segundo para analisar se estão certas ou erradas.
Então é chegada a hora da consulta, e essas pessoas, mesmo após as defumações, orações e pedidos do dirigente para que elevem seus pensamentos a Deus com harmonia e amor, continuam com a idéia fixa, como se não tivessem ouvido estas palavras.
O consulente com o pensamento negativado se dirige ao encontro da entidade que lhe dará o atendimento e começa com seus lamentos e reclamações, onde todos que lhe rodeiam não prestam e ele é um coitado.
A entidade tenta amolecer a mente e o coração desde consulente através de suas sábias palavras e com o auxílio dos seus elementos de trabalho, mas como o atendimento é uma parceria entre o consulente e o guia, ele não permite que essa luz penetre em seu interior, tornando-o uma pessoa “não tão ácida”.
Após as explicações e os pedidos do consulente, o guia lhe responde positivamente que vai ajudar.
Estão assustados com a resposta do guia? Por quê?
A ajuda que o guia vai dar, será pedindo para que Oxalá dê a esse irmão as luzes de: “Oxum, pondo amor no coração, Ogum para cortar a maldade que o cerca, Obaluaê para transmutar seus sentimentos negativos em positivos, Oxóssi para o conhecimento a fim de enxergar suas fraquezas interiores”.
Ao término do seu atendimento, esse irmão volta para casa confiante de que seus pedidos “destruidores” serão realizados, mas depois de alguns dias nada acontece e ele vai até outro terreiro, com as mesmas intenções.
Outro guia lhe atende e pergunta:
_Em que posso ajudar?
O consulente repete seus pedidos destruidores e ainda complementa que o terreiro onde tinha freqüentado era muito fraco.
Antes de iniciar o seu trabalho, o guia pergunta ao consulente se ele conseguiria explicar melhor o termo “muito fraco”. O consulente firmemente responde: não fui atendido.
O guia deixa alguns segundos de silêncio e retruca ao consulente:
_Será que é fraco aquele que pede por ti, para que tenhas mais amor, luz em tua mente, mas evolução e proteção? Será que é fraco aquele que tenta abrir teus olhos à luz? Será que é fraco aquele que tenta te colocar mais perto de Deus? Será que é fraco aquele que pede perdão por ti?
Ou o fraco é aquele que não conseguiu enxergar tudo isso e mesmo assim insiste em caminhar nas trevas de sua própria ignorância, na escuridão de seus caprichos?
Após esses questionamentos, o guia retorna a pergunta ao consulente:
_Em que posso ajudar?
O consulente responde ao guia com a voz embargada:
_Me dê força e peço perdão pelos meus sentimentos “fracos” que levei para dentro de outros terreiros.


Danilo Lopes Guedes é médium de Umbanda na Casa da Vovó e do Vovô.

domingo, 9 de agosto de 2009

Voz de Aruanda, a sua rádio de Umbanda - www.vozdearuanda.com



Nós, umbandistas, sempre fomos meio carentes (ou órfãos) de divulgação de nossa cultura e de nossos trabalhos. Quase sempre a imagem da Umbanda e dos umbandistas é estigmatizada pelos meios de comunicação de massa. Somos representados na mídia de forma vexatória e caricata, que quase nunca condiz com a realidade. A beleza e musicalidade de nossos rituais são deturpadas de maneira vergonhosa e raramente conseguimos espaço para responder a essas verdadeiras agressões que nos fazem.
Uma das maneiras de mudar esse quadro é assumir o orgulho de ser umbandista e divulgar nossa religião, nossa cultura e nossas tradições de maneira positiva. É isso que a rádio Voz de Aruanda vem fazendo, com grande sucesso em tão pouco tempo. Idealizada pelo Pai Marcelo de Oxalá e a designer Paula Ramanzini, a rádio é um projeto que ainda vai crescer mais, no entanto já mostra bons resultados, divulgando 24 horas por dia os mais belos pontos cantados da Umbanda, conforme a programação:

00:00 - 06:00 : Umbanda na Madrugada
06:00 - 09:00 : Raio da Manhã
09:00 - 12:00 : Tributo aos Orixás
12:00 - 15:00 : MPB na Umbanda
15:00 - 17:00 : Espírito Cigano
17:00 - 18:00 : Umbanda Hits
18:00 - 18:30 : Momentos de Reflexão
18:30 - 20:00 : Guias de Luz
20:00 - 22:00 : Yabás no Terreiro
22:00 - 00:00 : Guardiões da Encruza

Acesse www.vozdearuanda.com e prestigie esse belo trabalho. No link também estão disponíveis alguns artigos já publicados nesse blog.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Outro mundo é possível? - por Alexandre Cumino




As sociedades mais antigas nos ensinavam a ter um olhar de encanto para com o desconhecido. Todas as mitologias nos apresentam o Sagrado de duas formas: “mistério fascinante” e “mistério tremendo”.
Os deuses encantam e fascinam, pois sua manifestação está em toda parte, além de nosso controle, em toda a natureza. Eles habitam um outro mundo e deste mundo controlam nossas vidas, se ocupando de nossos destinos. Desta forma, as pessoas mais afortunadas, como reis e heróis passam a ser consideradas filhas dos deuses. Como Hércules, o filho de Zeus, ou ainda Akenaton, filho de Aton.
Na cultura nórdica Odin recebia pessoalmente os guerreiros desencarnados para um banquete em sua morada celestial. Com o fim das culturas mitológicas imperou o pensamento racional filosófico, onde o “outro mundo” é explicado por meio da Teologia e da Metafísica.
Porém, não nos esqueçamos que os pais da cultura ocidental são os filósofos gregos, que valorizavam o ser humano, e de certa forma, plantaram a semente do desencanto religioso, tão nítida nos dias atuais.
Sócrates, quatro séculos antes de Cristo, no leite de morte, explica a seus discípulos que a alma é imortal e reencarnante. Seu discípulo Platão dedicou parte de sua vida ensinando a existência de um mundo perfeito, o mundo das idéias, do qual este mundo é apenas uma cópia.
Santo Agostinho bebeu da obra platônica para descrever sua Cidade de Deus e fundamentar a idéia de um Céu Católico em oposição ao Inferno para onde iriam os não-católicos.
Allan Kardec também “criou” o seu céu e o seu inferno no mundo astral superior e inferior, onde todos vão se encontrar por afinidade, reciclando algumas das idéias de Platão e Sócrates.
Ainda hoje continuamos nos perguntando se há um outro mundo possível e como será este outro mundo.
O que é real e o que é ilusório nesta vida? Sócrates procurava a Verdade.
Cristo silenciou quando Pilatos lhe perguntou qual era a Verdade. Ao ser questionado sobre o fato de ser um Rei, afirmou que seu reino não era deste mundo.
Seria o outro mundo um outro lugar físico, ou este lugar mesmo com outros valores?
Quando as caravelas de Cabral aportaram na América, os índios pensaram que se tratavam de Deuses, pois apenas Deuses poderiam vir de outro mundo.
Eles estavam certos em uma coisa: eles realmente vinham de outro mundo, pois naquela época, um outro continente era outro mundo. Os índios não conheciam os conceitos de pecado da cultura judaico-cristã. Seria este mundo (a América) o paraíso perdido de Adão e Eva?
Alguns se perguntam se há “outros mundos”, outros quetionam se há vida em outros planetas, se há vida em outras dimensões ou realidades, e ainda outros, se há vida além da vida.
Quem sabe onde está um outro mundo? Outro mundo é possível? Onde?
Devemos construir um outro mundo?
Ou será que quando começarmos a nos esforçar, estaremos competindo uns com os outros, e logo estragando os planos de um mundo melhor? Afinal, o mundo das disputas não pode ser mesmo um mundo melhor...
Qual é a postura que o ser humano tem assumido para si e para os outros?
O que fazemos deste mundo está relacionado com nossa natureza ou com nossa cultura? Até onde somos um produto do meio em que vivemos? Até onde a sociedade determina nosso destino?
Como interpretar o livre arbítrio, quando somos tão fortemente influenciados e persuadidos a seguir um modelo? Até onde as religiões e filosofias nos despertam para um outro mundo?
Até onde a busca por um mundo pode ser uma alienação de nossa realidade? Até onde as religiões nos alienam?
A Umbanda é uma religião em formação, logo temos uma oportunidade única de trazer estes questionamentos para nosso dia a dia. Vamos aproveitar tudo o que há de bom como herança de todas as culturas. Mas, vamos jogar limpo com as pessoas, sem enganar, sem iludir, sem criar novos tabus. Sem promessas de céu ou inferno, sem assustar, fascinar ou criar dependências.
A Umbanda tem a oportunidade única de nos mostrar um caminho de liberdade e responsabilidade. Um outro mundo só é possível quando nos tornarmos outras pessoas e não importa onde estivermos, encarnados ou desencarnados, um outro mundo nunca será um lugar físico, um outro mundo só pode ser um outro estado de consciência. Durante a história da humanidade conhecemos pessoas que estando aqui neste mundo físico mostraram pertencer a outro mundo. Como Cristo, Krishna, Ramakrishna, Madre Tereza, Zélio de Moraes, Chico Xavier e São Francisco, entre outros.
Eles são a prova viva de que um outro mundo é possível!